- A senhora precisa ver...tudo me enjoa!

- Mas tu não está grávida, mana?

- Estou.

- Olha aí, que maravilha! Então está explicado.

- Ahã...eu e meu marido estamos muito felizes!
(Essa tinha uns 40. Sentada na mesa de frente, de costas pra mim, terminava o almoço e puxava um assunto) Perdi um há alguns meses. Foi terrível, gravidez tubária. Tinha contrações como se estivesse ganhando. Deus sabe o que faz. Sangrei um mês inteiro. Perdi no primeiro mês.

Subiu um cheiro de enxofre, da chuva insistente no mato lá fora.
Comi dois pastéis de entrada. Na hora, cortava a chuleta, no meio do prato do almoço.

- Ah mana, amanhã me levanto as 5 e meia e vou pra fila do posto de saúde. Preciso de uma consulta. (A vó tinha 72 anos, pesava 120 kg e ostentava 5 dentes em volta da ponta da língua, que despencava da boca, inchada, sem freio; as duas não se conheciam)

- A senhora vê; não é fácil conseguir. Nosso sistema de saúde é uma barbaridade! Custo com a doença da mãe. A coitada está internada com a perna paralisada; reumatismo. E com o meu pai, não podemos contar: ele bebe! Daí eu mesma vou para a fila conseguir o tratamento e os remédios.

Lembrei!

- Mas eu fui em um posto de saúde, lá perto de casa, na Santa Cecília, no meio do dia e fui atendido na hora. Isso mesmo, Santa Cecília. Fica na São Manoel, ao lado da universidade. Me nasceu uma verruga na cabeça do pinto, e saía uma gosminha amarela. Certamente eu peguei de uma guria que andei comendo sem camisinha. Que coisa. Deus sabe o que faz.

Elas calaram.
Então, eu pude almoçar.

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